Com a presença de representantes de religiões de matriz africana, foi aprovado em primeira votação, por unanimidade, na Câmara Municipal de Aracaju, nesta terça-feira, 19, o projeto de lei 102/2023, de autoria do Professor Bittencourt (PDT), que dispõe sobre a preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de origem afro-brasileira no Município de Aracaju, o reconhecimento dos Povos e Comunidades de Terreiros e dá providências correlatas.
A propositura foi aprovada por todos os vereadores em plenário, alguns deles, usaram do aparte para elogiar o projeto de lei que considera patrimônio histórico e cultural de origem afro-brasileira toda manifestação, produção ou obra de natureza material e imaterial que tenha referência com a identidade, a ação, o modo de vida ou a memória dos povos que possuem essa origem.
Para defender o projeto, o professor do Departamento de Direitos Humanos da UFS, Ilzver de Matos Oliveira, discursou na tribuna e falou sobre a urgência do reconhecimento e da importância de proteger o patrimônio histórico afro-brasileiro na cidade de Aracaju.
"A gente, enquanto povo e comunidade de terreiro se acostumou aos "nãos" (...) Na cidade de Aracaju quase 80% da população é negra, o estado de Sergipe é o quarto estado mais negro do nordeste. A nossa história foi construída por pessoas negras, indígenas e outros grupos e povos tradicionais, mas quando a gente olha para as estratégias de proteção ao patrimônio histórico dessas populações a gente só escuta "não". Quando a gente analisa os livros que compõem o patrimônio histórico e cultural de Sergipe, a gente tem 27 patrimônios que estão dentro desses livros patrimonializados pelo IPHAN, e que são de origem europeia e cristã. Nós não temos no estado nenhum patrimônio afro-brasileiro patrimonializado nos livros do IPHAN. Nós temos em âmbito estadual apenas três, um deles é o terreiro Filhos de Obá, é o único patrimônio tombado no nosso estado (...) Quando a gente ouve que temos na nossa história "nãos", nos perguntamos o porquê", questionou o educador.
Professor Bittencourt, autor do projeto, fez um discurso poderoso antirracista para demonstrar a importância de abraçar todos os povos e, sobretudo, da aprovação da propositura.
"Acho que nós aqui temos que lutarmos contra esse discurso de desumanização, a fim de construir cada vez mais uma sociedade justa, fraterna e que respeita a diversidade, e a fim de reafirmar de que se existe algo extraordinário entre nós, é a capacidade de sermos diferentes, de convivermos com a diferença e de respeitar a diferença. Eu queria que nós aqui, neste projeto, pudéssemos reafirmar essa preocupação, e cada vez mais nessa casa, construirmos elementos que possam fazer dois aspectos: lutar contra qualquer forma de preconceito, de intolerância e violência e construir uma sociedade que pensa em diversa disso. Não basta apenas dizer que não somos racistas, não basta apenas dizer que não somos machistas e homofóbicos, nós precisamos ser antirracistas, antimachistas e antihomofóbicos, nós precisamos ser "anti" toda forma de preconceito, intolerância e desrespeito", argumentou o parlamentar.
Estiveram presentes para acompanhar a votação do projeto povos de terreiros como: Mãe Jacira, do Abassá Ogum de Rond; Pai Calixto, do Pena Branca Cipriano das Almas; Izabela, do Abassá Axé Ilê Pilão de Oxaguian; Carmem Bittencourt; os advogados Alessandro Nascimento, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB, e Bárbara Lima, secretária geral da Comissão Comissão de Liberdade Religiosa da OAB; as professoras Amélia e Jacir Candioto da pós-graduação de direitos humanos da PUC/PR e Mãe Edinha, do Abassá Oxossi Kasileci.
Sobre o projeto:
O projeto constitui como patrimônio histórico e cultural de origem afro-brasileira toda manifestação nas quais se incluem: formas de expressão e celebração; modos de criar, fazer e viver; obras, objetos, documentos, monumentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais; conjuntos urbanos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos e quilombos e dos antigos terreiros de cultos afro-brasileiros.
Assessoria Jamile Pavlova
(Foto: Marcos Fraga)