134 anos após a assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, ainda há controvérsias sobre o marco histórico
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Publicado em 13/05/2022


Os livros de história do Brasil contam que, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, “acabando” com a escravidão no país. Esse trecho da trajetória da nação brasileira é apresentado aos estudantes ainda nos primeiros anos da escola. Apesar de ser celebrado como um importante acontecimento que libertou os escravos de um sistema perverso e cruel que deixa marcas até os dias atuais, o ato é questionado por historiadores, representantes dos movimentos e pesquisadores, como a comunicóloga e ex-secretária de Cultura do Estado, Eloísa Galdino, que não considera a princesa Isabel como a principal protagonista da revolução.

“A princesa é uma personagem da nossa história que acabou por protagonizar um episódio marcante da passagem da monarquia para a república. Mas seu protagonismo, por tantos anos evidenciado no ensino da história do Brasil, é apenas uma narrativa historiográfica. Uma narrativa ‘eurocentrada’ e branca. Nela, heroínas e heróis não possuem pele negra”, opina Eloísa.

Com início na década de 1530, o sistema escravocrata durou mais de 350 anos. No entanto, o fim da escravidão não significou que os negros brasileiros ganhassem dignidade e cidadania. Segundo dados divulgados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, pretos e pardos representavam, em 2020, 82% dos 2.400 trabalhadores que recebiam seguro-desemprego após resgate dos trabalhos escravos. No mesmo ano, 1.054 pessoas foram resgatadas de situações análogas ao trabalho escravo em todo o Brasil. Dos 267 estabelecimentos fiscalizados, 111 tinham trabalho escravo. Os negros continuavam sendo os mais afetados pelo trabalho escravo no país.  

“Não há surpresa, é constatação do que eu já disse antes. À população negra foi negado o direito de pertencimento ao país. Essa população não acessou e não acessa os princípios elementares da cidadania plena. A violência que exclui é a mesma que reproduz a si mesma. O estado e os direitos não se apresentam. Mas ele chega para cercear a liberdade e encarcerar a população negra no sistema prisional que reflete o país desigual e racista que somos. Mas calma, temos mudado. E mudaremos ainda mais. Quanto mais falarmos e denunciarmos esse quadro, mais o tencionamos por mudanças”, pontua a comunicóloga.

Em meio às pressões da época contra o sistema escravocrata e em defesa da reparação dos direitos da população negra, Eloísa destaca que outros agentes dos movimentos sociais da negritude foram fundamentais para alcançar o feito, e que esse reconhecimento só foi possível graças aos processos constantes de revisão dos marcos históricos brasileiros feitos por pesquisadores. “Primeiro e mais importante: revisar a historiografia nos permitiu acolher e colocar no devido lugar mulheres e homens negros que nunca deixaram de lutar pela liberdade. A lista? O grande Zumbi dos Palmares, Dandara, Tereza de Benguela, Chico da Matilde, André Rebouças, Luiz Gama, dentre muitos outros”.

Para Eloísa, a data deve ser usada como motivo para protestar e clamar pela verdadeira liberdade que somente será conquistada com mobilização e luta permanente pela cidadania. “A gente precisa entender que um país fundado no açoite e na violência contra a população negra carrega em seu DNA o racismo estrutural. Qualquer indicador socioeconômico mostra a relação entre pobreza e negritude, analfabetismo e negritude, população em situação de rua e negritude. Quem não quer ver essa realidade nua e crua?”, questiona.

De acordo com Eloísa, a cidadania não estará completa até que os brasileiros negros sejam devidamente compensados para poderem competir em pé de igualdade com os não-negros. “A abolição é um fato, sem dúvida. A Lei Áurea é fruto de uma luta e de um contexto sócio-econômico mundial. Mas a lei não possui relação, por exemplo, com o que apregoava o movimento abolicionista, grande movimento social do país. Às negras e negros livres, nenhum direito, nada. O movimento falava em indenização, inserção digna na sociedade. A república - que começou velha - resolveu indenizar os donos de escravos. A liberdade de fato, é luta cotidiana, até hoje”, frisou a ex-secretária de Cultura de Sergipe.

 
Foto: Jouis
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