A Prefeitura de Aracaju, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, realiza um serviço essencial para mulheres em situação de violência doméstica: a orientação e acolhimento através do Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Cram) Maria Otávia Gonçalves Miranda.
Com esse trabalho, a gestão municipal garante segurança e apoio às mulheres, com cuidados nas áreas jurídica e psicológica. As assistidas do Cram já sentem o impacto dos serviços em suas vidas, e celebram a implementação de um equipamento que assegura direitos dos quais muitas delas sequer sabiam que tinha, além de proporcionar esperança de um futuro melhor.
Inaugurado na capital sergipana no final do ano passado, o Cram Maria Otávia Gonçalves Miranda já atendeu mais de 200 mulheres. O Centro oferta atendimento psicológico, orientação jurídica e proteção para as usuárias, além de realizar ações e campanhas de conscientização pela cidade durante todo o ano. A atuação é feita de modo contínuo e busca acompanhar a mulher em todas as etapas para que ela possa ter o suporte necessário.
A coordenadora de Políticas Públicas para as Mulheres da Secretaria Municipal da Assistência Social e coordenadora interina do Cram, Edlaine Sena, explica que os encaminhamentos para o acompanhamento geralmente são feitos pelo Tribunal de Justiça, pela Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), e por demanda espontânea, mas também podem ser realizados por qualquer cidadão.
Edlaine informa ainda que, a partir dos encaminhamentos, as equipes começam as buscas pela mulher e iniciam o trabalho de apoio e orientação.
“O diferencial do Cram é justamente esse, é estar junto da mulher durante todo esse processo, as orientadoras, as educadoras também vão junto com essa mulher até o serviço que elas precisam acessar, para que elas não se percam, então tem esse diferencial no atendimento, de estar junto. É fazer o acompanhamento junto com ela até que ela consiga realmente dar um passo à frente e isso leva o tempo necessário para ela”, esclareceu.
O apoio e serviço prestado no Cram é contínuo e feito de acordo com a necessidade de cada mulher. A cada quatro meses a equipe realiza uma análise do grupo terapêutico o qual participam e fazem uma avaliação para examinar qual foi a evolução. A partir disso, é possível identificar o que está sendo preciso acrescentar no atendimento da mulher, e reforçar o acompanhamento, caso necessário, para que a assistida consiga seguir a sua vida com mais tranquilidade.
Mulheres assistidas
O Cram, além de reafirmar o direito às mulheres que sofrem violência doméstica, proporciona a essas usuárias assistidas um novo recomeço, a partir do amparo e garantia de segurança oferecida pelo município. I.C., de 29 anos, assistida pelo Centro, foi encaminhada pela Delegacia da Mulher. “Eu prestei boletim de ocorrência na delegacia e um tempo depois o Cram entrou em contato comigo oferecendo apoio psicológico e jurídico, mas eu achei que era trote, eu não conhecia o Cram”, contou.
Muitas mulheres como I.C. têm dificuldade em acreditar que possa existir um órgão público que esteja ali, por elas e para elas, mas, o Cram, com menos de um ano de funcionamento, já vem mudando essa realidade. Após a ligação, I.C. resolveu buscar informações e verificou que realmente existia o Centro de Atendimento e no mesmo dia em que retornou a ligação, foi atendida. Ela relata que o primeiro contato que teve foi com a advogada e logo em seguida com a psicóloga. A usuária passou por uma orientação jurídica, e assim pôde saber como andava o processo, além de ter todas as dúvidas esclarecidas.
“A advogada foi super atenciosa, ela foi procurar saber do meu caso, foi comigo na Defensoria Pública para esclarecer algumas dúvidas. Eu estava perdida sem saber como andava o meu processo e ela me explicou bastante. Além de ir comigo até lá, ainda conversou com a defensora para saber como estava o andamento do processo e isso passou mais tranquilidade sobre essa parte”, afirmou.
A aracajuana passou por uma vivência de violência com o ex-companheiro e precisou fazer um pedido de medida protetiva. Na época, o Cram ainda não existia, e a vítima sofria com perseguição do abusador, além de ter entrado em depressão profunda em decorrência do período em que sofreu violência.
Com a criação do Cram, mulheres como I.C. puderam ser encaminhadas e, com o acompanhamento ativo do órgão, ter a realidade completamente modificada. Um dos pontos mais importantes para ela foi o atendimento psicológico oferecido pelo Cram, tanto individual, quanto em grupo. Foi justamente esse acolhimento na saúde mental que fez a virada de chave na vida de I.C.
“Estou tendo atendimento até hoje e posso dizer que estou mais tranquila, eu pude ver que meu problema não é único e tem sim meios de tentar resolver. Dependendo do problema, você acha que é único e não imagina que outras pessoas passaram por isso dessa mesma forma. Então quando você vê a vivência de outras pessoas e é uma vivência que parece com a sua, você não se sente sozinha, consegue enxergar também que seu problema tem solução. Com esse acolhimento e orientação a gente consegue viver melhor, eu realmente estou muito melhor e posso ter esperança de que vou superar isso”, fala a usuária.
M.A., de 40 anos, também é uma mulher assistida pelo Cram e relata sua história de violência em um casamento de mais de 20 anos, e como o acolhimento do órgão mudou sua vida. “Eu fui vítima de todos os tipos de violência que você possa imaginar e eu nem sabia que aquilo era violência, de violência psicológica a patrimonial, tudo que você pode imaginar eu estava vivendo com o pai do meu filho. Na época da pandemia a situação ficou muito séria, ele mostrou as verdadeiras faces dele, e eu disse ‘eu preciso sair, porque se eu não sair nesse momento eu vou acabar perdendo minha vida e quem vai ser pelo meu filho?”, contou.
Para poder ter a liberdade e conseguir o divórcio, M.A. aceitou as condições impostas pelo ex-marido, que ameaçava ela e o filho para que saíssem do casamento sem direito a nenhum bem. Justamente por falta de assistência jurídica, M.A. acabou acatando a essas exigências feitas pelo agressor e abriu mão daquilo que tinha direito.
“Para me ver livre, me ver uma mulher divorciada, eu abri mão de tudo aquilo que tínhamos construído juntos, de todo nosso patrimônio. Eu sei que fiz errado, mas naquele momento eu estava com o psicológico muito fraco e eu estava muito abalada, tanto psicológica como fisicamente. Eu tinha um bebê de colo e eu não tinha apoio de ninguém, somente Deus estava comigo, então para ter minha liberdade e para olhar no meu documento e ver hoje uma mulher divorciada eu acabei aceitando aceitando as condições dele”, disse.
O rompimento com o ciclo violento é delicado e complexo. A saída de uma relacionamento abuso deixa muitas feridas abertas para essas mulheres, principalmente pelo fato do abuso vir de alguém em que elas confiam e escolhem dividir a vida. Para M.A., superar todos esses sentimentos ainda é difícil, mas o apoio do Cram torna possível reencontrar a confiança em outras pessoas e em si mesma.
“Eu confiei em uma pessoa que achei que era boa e confiei nessa pessoa para casar e no final ele não era aquilo que eu achava, eu estava cega para ele. Foi o pai dos meus dois filhos, eu perdi um filho em 2012 no nascimento e eu pensei que ele ia mudar ali, mas ele ainda me culpou por isso”, descreveu.
Mesmo divorciada, ela ainda sofria com ameaças do ex-marido. M.A chegou ao Centro desamparada e sem esperanças depois de tantos anos sendo violentada. Sua visão de mundo e perspectiva de vida começou a mudar a partir do momento em que percebeu que estava em um lugar rodeado de mulheres que estavam lá a serviço dela, e que buscaram a garantia dos direitos que lhe foram tirados e retomaram a auto estima que ela não sabia que podia ter. Foi no acolhimento psicológico que M.A. encontrou forças para se empoderar e reconhecer que é digna de amor e pode demandar seus direitos.
“Pelo menos o equilíbrio emocional eu tenho lá pelo Cram, todas as mulheres que passam pela gente são maravilhosas, eu não consigo dizer o nome de todas porque são muitas, são mulheres que realmente acolhem e cuidam dos nossos filhos quando estamos na terapia e dão todo o suporte e direcionamento para mulheres como eu precisam”, comentou.
A luta por um futuro de igualdade de gênero e de uma realidade social com mulheres que não virem estatísticas em violência doméstica ainda tem um longo caminho para ser perseguido. Mas, com equipamentos de assistência como Cram, e o comprometimento em ser agente ativo nessa pauta, como faz a Prefeitura de Aracaju, faz com que mulheres como as assistidas pelo órgão possam contar suas histórias de superação e poder, como M.A., afirmar que “a existência do Cram dá um fio de esperança”.
Foto: Sergio Silva/PMA