Um espaço de acolhimento, que cuida e acompanha as famílias e indivíduos que já tiveram seus direitos violados, os Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas) são administrados pela Prefeitura de Aracaju, por meio da Secretaria Municipal da Assistência Social. Com quatro unidades, cobrindo todos os bairros da capital, esses locais têm sido fundamentais para o fortalecimento de vínculos das vítimas, ajudando-as a superar a violência ou vulnerabilidade a qual foram submetidas.
Os Creas diferenciam-se dos Centro de Referência da Assistência Social (Cras) ao lidar com circunstâncias de violação de direitos já instituídas, no lugar de atuar na prevenção de situações de vulnerabilidade social.
“Casos de violação de direitos muitas vezes envolvem angústia, violência, ressentimento, o que é mais difícil de serem articuladas. Não é que isso não exista na situação de vulnerabilidade, a diferença é o nível de aprofundamento dessas questões”, explica o psicólogo e coordenador do Creas Gonçalo Rollemberg, César Gama.
O público que recebe apoio nesses espaços é eclético, mas possui em comum a escalada de uma circunstância de vulnerabilidade para a experiência traumática de um direito que deveria ser assegurado e foi desrespeitado, como aponta a assistente social e coordenadora do Creas Maria Pureza, Fabricia Carvalho.
“Atendemos crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais ou maus tratos, seja violência física ou psicológica; idosos que tiveram seus direitos violados, na maioria das vezes em relação ao patrimônio; pessoas com deficiência; e os menores que cumprem medidas socioeducativas por terem cometido algum ato infracional, para execução do serviço e acompanhamento. Atendemos, também, mulheres vítimas de violência doméstica, que são enviadas pela rede, e realizamos o serviço de abordagem social com pessoas em situação de rua, com a identificação das demandas desses usuários”, detalha Fabricia.
Há várias maneiras de determinado caso chegar ao Creas, tanto por demanda espontânea, com uma vítima procurando diretamente uma unidade, informando a situação, ou um encaminhamento pelo sistema de garantia de direitos, seja uma delegacia, o judiciário, hospital, Conselho Tutelar, a rede de assistência social, via Cras ou abrigos.
Os atendimentos são complexos e desafiadores por conta do grau de fragilização, o qual as vítimas estão submetidas, com agravantes como a violência sofrida ter sido perpetrada por pessoas muito próximas, que deveriam, em teoria, cuidar, como é o caso das ofensas às dignidades das crianças.
“A maioria dos agressores sexuais são pessoas da família ou próximas à família - o pai, avô, mãe, vizinho - que já possuem algum tipo de relacionamento com a criança, uma pessoa em que a vítima confia. Então, por mais que as crianças não se sintam à vontade, seja por um toque ou um pedido de foto ou vídeo, elas não reagem por conta da confiança e, também, porque o agressor faz sempre o jogo do descrédito, afirmando que ninguém acredita em criança ou que deve ser um segredo, de forma que elas se sintam culpadas também”, alerta Fabrícia.
Outro desafio é o estigma criado em relação à vulnerabilidade social, que é um estado onde, a partir de determinadas rupturas, as pessoas são colocadas em uma posição periférica em relação à sociedade.
Quando, dentro dessa vulnerabilidade, elas têm um direito violado, mais longe do centro elas vão sendo colocadas.
“O erro é achar que qualquer um de nós não pode ser afastado desse centro ou que essas pessoas que são vistas fora dele não podem alcançá-lo e deixar a situação de vulnerabilidade”, aponta César.
Mas, para que esse processo aconteça, se faz necessário um acompanhamento interdisciplinar, por isso os Creas contam com equipes compostas por educadores sociais, psicólogos e assistentes sociais. Além disso, mantém interlocução com órgãos promotores dos direitos humanos e com as diversas esferas do poder público para os encaminhamentos necessários, em um esforço conjunto para que a vítima se empodere e supere a violação que sofreu, alcançando uma cidadania plena.
“O primeiro passo é a escuta especializada, onde os psicólogos e assistentes sociais que vão fazer o acompanhamento do caso vão ouvir a vítima, identificando as especificidades dela, as vulnerabilidades às quais está submetida, de forma que seja possível que ela dê vazão à sua angústia e sofrimento. A partir disso, a equipe traçará um plano de acompanhamento do usuário, traçando objetivos, metas, para se alcançar a superação dessa violação de direitos”, continua o psicólogo.
A aracajuana M.C. dos S, 30 anos, mãe de dois filhos, de 2 e 8 anos, é acompanhada pelo Creas Maria Pureza há quase quatro anos, após passar por uma situação de violência doméstica e ser atendida em uma Unidade Básica de Saúde próxima a sua casa.
“Não sabia a existência do órgão e que ele podia funcionar como uma casa de apoio às mulheres vulneráveis a vários tipos de violências. Depois, descobri que eu poderia iniciar um tratamento com psicólogo. Quando nós, mulheres, passamos por um grau de violência, seja de qualquer tipo, muitas vezes, temos certa vergonha de expressar, até mesmo para amigos ou familiares. É uma sensação de solidão, como se estivéssemos em um mundo onde as pessoas olham para gente de forma diferente, como se nós tivéssemos deixado as coisas chegarem a esse ponto. Então, na verdade, nós nos sentimos culpadas pelo grau de violência que aconteceu no lar”, conta M.C.
Com o tempo e ajuda dos profissionais, ela tem conseguido reestruturar sua vida, recuperar o vigor e os sorrisos. Além disso, a sua história de superação à violação de direitos a motiva a auxiliar outras mulheres da sua comunidade.
“Hoje, infelizmente, a violência doméstica é o que mais acontece na sociedade. Muitas acreditam que não podem expressar o sentimento. Mas, hoje, através do meu acompanhamento no Creas, sei que é o contrário. Eu consigo dizer que podemos, sim, nos expressar, abordar o que nós passamos para nos fortalecer. Uma mulher curada tem poder para curar outras mulheres. Então, se a gente esconde, deixamos de curar uma outra mulher. Eu sou grata à equipe por me mostrar a mulher empoderada que estou me transformando a cada dia”, relata M.C.
Foto: Sérgio Silva